RJIES, ainda o sistema binário
No Portugal de hoje, todos os que refletem sobre o ensino superior pensam que o sistema binário é o melhor para o país, para os estudantes e para os empregadores. Na realidade, temos hoje um sistema ternário porque, para além da opção entre uma licenciatura universitária e uma licenciatura politécnica, existe ainda a opção por um curso TeSP, Técnico Superior Profissional. O acordo é universal, mas os docentes politécnicos sempre sentiram o desconforto de se verem como uma segunda classe. Esta reação tem uma longa história e teve cedências sucessivas do poder político sem que tenha havido políticas de consolidação da natureza binária (ou ternária na última década). Que resta hoje da obrigação estatal de oferecer percursos diversificados para responder à enorme diversidade dos candidatos agora admitidos ao ensino superior e à diversidade ainda maior das atividades profissionais que os seus diplomados irão escolher ao longo da vida? Muito pouco.
Ao repensar a lei de organização do ensino superior português, parece haver consenso sobre a conservação de um sistema binário. E, contudo, todas as alterações vão no sentido de enfraquecer ainda mais esta diferenciação. A questão deveria pôr-se de forma mais aguda nas áreas de educação e formação como as engenharias que existem nos dois subsistemas, mas não parece ser o caso. A sociedade (empregadores) compreende mal as diferenças, talvez porque estas não têm sido bem marcadas, quer do lado politécnico, quer do lado universitário; as famílias e os estudantes escolhem o politécnico ou a universidade percebida como de maior prestígio, isto é com maior nota de acesso, embora a proximidade da residência possa ser mais importante face aos elevados custos de deslocação; os docentes têm carreiras cada vez mais próximas; a estratégia de investigação dos docentes vai procurar validação e financiamento à mesma entidade, a FCT; e aqui os concursos admitem projetos originários do ensino universitário ou politécnico, não sendo valorizada qualquer diferença entre ambos. Estaremos com esta prática a cumprir a lei que desde as origens tentava sugerir algumas diferenças? Haverá diferenças entre os dois subsistemas universitário e politécnico apenas porque isso é afirmado na lei de bases quando depois ninguém reconhece as diferenças?
Como chegamos aqui
Originalmente, na proposta de Veiga Simão de 1973, o ensino politécnico tinha apenas cursos curtos de três anos e não se falava em investigação. Aquando da criação efetiva do ensino politécnico no início dos anos de 1980, manteve-se o objetivo de cursos curtos e não tocou na investigação. As escolas mais antigas que foram integradas nos novos institutos politécnicos não tinham investigação. Tudo parecia em perfeita harmonia.
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A primeira reivindicação foi a de alongar o percurso educativo do bacharelato de 3 anos para chegar à velha licenciatura de 4 a 6 anos. Os docentes vinham de um grau universitário e começaram a ter alguma experiência de investigação num dos antigos mestrados que eram o requisito de entrada na docência politécnica, e só muito raramente num doutoramento. Muito naturalmente, tentaram replicar os planos curriculares universitários que conheciam e sentiram-se limitados num ciclo curto. Foi assim que no início dos anos de 1990, começaram a oferecer “licenciaturas bietápicas” um eufemismo para algo equivalente a uma licenciatura universitária (pré-Bolonha), o curso universitário universal do século XX. Na fase de explosão da procura de finais dos anos de 1980, alguns institutos politécnicos bateram-se pela conversão em universidade por uma questão de prestígio, sempre com apoio das forças políticas regionais. E que poderia o governo da república oferecer a uma cidade do interior que tivesse alguma sonoridade e fosse mais barato que uma universidade? Alguns, poucos, decidiram começar a recrutar docentes doutorados ou a doutorar os mais jovens, embora outros o rejeitassem porque os docentes seniores eram apenas licenciados. Quando pediam financiamento para a investigação, os responsáveis políticos sugeriam que se poderiam associar às então novas unidades de investigação universitárias e concorrer aos financiamentos FCT.
A carreira docente do ensino politécnico manteve uma estrutura muito incipiente até 2009, com os docentes mais velhos sem doutoramento e, portanto, sem qualquer iniciação à investigação. Alguns mais novos aspiravam a fazer o percurso completo dos colegas universitários, enquanto lhes estava vedado o equiparável ao catedrático. Aquando da reforma dita de Bolonha em 2007, venceram a resistência inicial do então ministro Mariano Gago à oferta dos novos mestrados e conseguiram uma oferta educativa com as mesmas designações do universitário e os graduados passaram a ter total equivalência aos universitários. Um licenciado politécnico (pós-Bolonha) passou a ser obrigatoriamente aceite num mestrado universitário, apesar de se manter nos documentos legais a pretensão de que os ciclos de estudos politécnicos teriam uma intenção profissional, diferente dos universitários. A partir da mesma época tornou-se claro que a docência por doutorados era um importante fator de prestígio e deu-se uma corrida a doutoramentos, havendo apoios e dispensas de serviço para alguns velhos docentes. As universidades espanholas foram a opção de muitos, levando a que o número de portugueses a doutorar-se em Espanha nessa época chegasse a 100 vezes o número de espanhóis em Portugal. A nova carreira docente de 2009 deu aos docentes politécnicos um percurso quase homólogo do universitário. Para além de uma pequena diferença salarial na categoria de entrada, a maior diferença é a obrigação de aceitarem 6 a 12 horas semanais de lecionação, enquanto os colegas universitários apenas têm 6 a 9 horas. Note-se que esta diferença tem pouco impacto no número médio de alunos por docente em cada um dos dois subsistemas.
Restou a marca diferenciadora “politécnica”, a não acreditação de doutoramentos e as 6 a 12 horas. A batalha seguinte foi a autorização para a acreditação de doutoramentos, curiosamente conseguida na lei regulamentar antes de introduzida na lei de bases. Se ia haver doutoramentos, faltava a etiqueta de universidade. Tinham batalhado longamente pela designação de “university of applied sciences”, uma designação adotada em alguns países europeus para a designação de apresentação internacional e nunca na língua própria. As conquistas anteriores tinham sido tão fáceis que esta designação já parecia insuficiente e começou a defesa da designação de “universidade politécnica” à semelhança das universidades espanholas de prestígio e especializadas nas engenharias. Ficaremos por aqui? Dou........
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