A Administração Trump, entre o melhor e o pior
Estamos a assistir em directo ao desmoronamento de uma era, os edifícios intelectuais a partir dos quais interpretávamos o mundo ameaçam ruir sobre a sua acção e por isso as opiniões sobre a Administração Trump são necessariamente fortes.
Não há meios termos. Uns detestam e acham que tudo o que está a acontecer é mau por definição. Outros atribuem ao presidente americano o estatuto de super-homem das massas, como se tudo o que fez ou disse fosse uma jogada genial cujo alcance, mesmo que insondável para o comum dos mortais, será superlativamente fantástico.
Uns e outros projectam em Donald Trump os seus particulares e entranhados ódios e amores. Uns e outros sublinham aquilo com que concordam e desculpam ou ignoram tudo aquilo que não lhes é palatável. Funcionam basicamente como clubes de fãs, cultos idólatras, ou grupos de ódio.
Eu, que sempre alimentei um razoável cinismo antropológico relativamente à espécie de que faço parte, até porque me conheço de perto, já tenho suficiente cabedal para saber que o Sr. Trump é, como todos nós, capaz do melhor e do pior, de coisas excelentes e necessárias e de decisões absolutamente disparatadas.
Pontapear a ideologia woke para fora das instituições, reforçar o apoio a Israel face ao tsunami do antissemitismo, disciplinar a balbúrdia das fronteiras abertas, recuperar o orgulho nacional, acabar com a roda livre de burocracias e intelectuais orgânicos instaladas na manjedoura do orçamento e nas instituições, impor o bom senso nas questões da energia e do clima, etc., são coisas saudáveis, fazem bem à América e ao mundo ocidental, se nos servirem de exemplo.
Dirigir a economia, esfaquear aliados, passear de braço dado com criaturas medonhas como Putin, intimidar os mais fracos e deslizar o estado de direito pelo fio da navalha são, pelo contrário, acções desastrosas para as mesmas entidades. Até porque atrás de tempos, tempos vêm, e quem trata mal aqueles por quem passa ao subir, vai dar-se mal quando voltar a passar por eles ao descer.
Nas relações internacionais os factos são incontornáveis. Não se trata apenas da tácticas negociais, a relação dos EUA com o resto do mundo mudou radicalmente e a ordem liberal assente em regras está a sofrer um ataque demolidor. Era uma ordem resultante da preeminência dos valores ocidentais e já vinha sendo desafiada por vários actores. Os próprios organismos que a institucionalizavam (ONU, tribunais internacionais e outros) vinham-se paulatinamente........
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