O muro
Em 2016, a convite de uma colega que então leccionava a cadeira de História de Cabo Verde na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, fui lá dar uma aula sobre escravatura. Fiz o meu melhor, expus, em termos gerais, o que sabia sobre o assunto e o que tinha investigado durante décadas, mas confrontei-me com uma espécie de barreira renitente, ou de muro de silêncio, e fiquei com a sensação, eventualmente injusta, de que os alunos, na sua maioria africanos ou afrodescendentes, não acreditaram numa única palavra do que eu disse. Aparentemente aquelas pessoas já possuíam uma versão da história muito arrumada, muito rígida, muito carregada politicamente, na qual os meus ensinamentos, as minhas informações, não encaixavam, e daí que estivessem estanques e cépticos relativamente ao conhecimento que eu tentei transmitir.
O debate público sobre escravatura e outras questões de história colonial em que me envolvi de Abril de 2017 em diante, veio confirmar repetidamente essa minha primeira sensação. Aparentemente, e no que se refere à história da escravatura, muitas pessoas, sobretudo as que podemos situar na esquerda woke, cristalizaram numa posição política inamovível e tornaram-se avessas, refractárias, à aquisição de novas perspectivas e de novos conhecimentos.
Recordam-se de Another Brick in the Wall?
We don’t need no education, we don’t need no thought control
No dark sarcasm in the classroom. Teacher, leave them kids alone
Hey, teacher, leave them kids alone!
All in all, it’s just another brick in the wall
All in all, you’re just another brick in the wall
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Sim, é a canção de 1979, dos Pink Floyd, que alude a certas pessoas — jovens alunos, no caso — que constroem, tijolo a tijolo, muros metafóricos em seu redor para se protegerem, e às suas identidade e convicções, de ameaças e alterações vindas de fora. O muro imaginado pelos Pink Floyd faz lembrar aquele que os woke têm em torno de si para os preservar do conhecimento rigoroso ou de ideias que vão contra as suas emoções e convicções. Por norma, essas pessoas não debatem, não contestam as provas, não apresentam contraprovas e documentos,........
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