Quem é o meu semelhante (II)
Ao longo da vida, fui ouvindo a repreensão cínica, dirigida a pessoas que não são movidas pela paixão política ou económica, e se interessam por coisas inúteis como a literatura. Diziam-nos líricos, ou simplesmente imaturos, ou fracos. Quando era miúda, a acusação não me ofendia, mas era usada também em relação a alguns adultos, considerados casos perdidos. Lírico. Tenho ouvido menos esta palavra, mas cresci a ouvi-la. Era sinónimo de irrealista, e às vezes de inútil, o contrário de pragmático, próximo de delirante, devaneador, idealista. A palavra assinalava uma inadaptação e era usada como insulto. Sempre simpatizei com os líricos, adultos que não serviam para nada, dedicados a planos exagerados, ou a ideias que os outros diziam sem sentido. Tinham um entusiasmo que os outros adultos não tinham, talvez fossem menos adultos que os outros, talvez apenas inadaptados. Penso neles ao concluir que os meus ideais de sociedade são politicamente........
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