O Crepúsculo do Reitor
Onze anos depois de ter trocado Lisboa por Paris – com a mesma leveza de quem muda de fato, mas com o peso de um país às costas -, José Sócrates regressa ao lugar que sempre jurou não lhe estar destinado: o banco dos réus. Um ex-primeiro-ministro em tribunal não é apenas um homem em julgamento: é uma era exposta à luz impiedosa dos autos.
Aquele que se quis o rosto moderno de um socialismo civilizado – europeu, urbano, polido – exibe agora em plenário uma versão sombria e crua de si mesmo: o pregador apocalíptico que denuncia conspirações, a vítima ungida que clama vingança divina, o mártir sem causa que recusa o silêncio.
Nada disto é acidental. Sócrates domina como poucos a gramática do poder, mesmo em queda. A retórica inflamada, os gestos estudados, o tom ofendido – tudo se articula numa coreografia precisa, pensada para transformar cada acusação num libelo contra a democracia, cada prova num delírio........
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