A Retórica do Vazio
A política lusa, em sua perene dialética entre retórica e prática, defronta-se novamente com um daqueles episódios em que a sátira se confunde com o real. Dois agrupamentos partidários, antagónicos no espectro ideológico, convergem involuntariamente num teatro de contradições que desnudam a vacuidade dos dogmas radicais. De um flanco, o Chega, autoproclamado bastião da “ordem moral”, vê-se enredado no escândalo de um deputado (agora não-inscrito, mas ainda usufruindo das prerrogativas parlamentares) surpreendido em flagrante delito de furto de bagagens aeroportuárias. Do outro, o Bloco de Esquerda, que erige o feminismo e os direitos laborais como pilares intocáveis, protagoniza a demissão de funcionárias gestantes, seguida de um pedido de desculpas tão lacónico quanto evasivo. Se um argumentista ousasse tal enredo seria tachado de panfletário. A realidade, contudo, dispensa pudores.
O imbróglio do Chega sintetiza a quintessência do doublethink orwelliano. André Ventura, arquiteto de uma narrativa fundada na “regeneração ética” e no combate à “podridão sistémica”, defronta-se com a ironia trágica de ver o seu próprio projeto maculado por um ato que, à luz do Código Penal, é mera criminalidade banal. A resposta partidária? Expurgar o transgressor,........
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