A lei de Lynch
Quando “Blue Velvet” apareceu eu tinha 17 anos e vários amigos não calavam o entusiasmo. Naturalmente, não fui ver. Já então adoptava o princípio segundo o qual os filmes, os discos e os livros em voga devem ser evitados como uma infecção bacteriana. O princípio, a que raras vezes desobedeci, tem-me poupado ao contacto com imensa fancaria ou meros aborrecimentos, cuja falta não sinto e cuja ignorância agradeço. Com “Blue Velvet”, porém, o método sofreu um tropeção.
Uma noite, aí por 1988 ou 1989, a fita passava na RTP e a minha namorada de então quis assistir. Resmunguei, protestei, ponderei organizar uma manifestação de repúdio e, vencido, lá me preparei para ficar duas horas a lançar à televisão graçolas e considerações alusivas à vacuidade dos fenómenos da moda. Nisto, arrancou a sessão, primeiro com o genérico em cima de um cortinado azul escuro e ao som de “Im Abendrot” (“No Crepúsculo”), a terceira das Quatro Últimas Canções de Richard Strauss. Não dei um pio. Depois “Blue Velvet” abriu com a canção homónima na versão de Bobby Vinton e o plano do céu da cor do cortinado, a cerca branca e as flores vermelhas ao sol. De seguida, cortou para o carro de bombeiros a percorrer, em câmara lenta, uma rua dos subúrbios americanos “clássicos”. Sobre o degrau da porta, a que agarrava a mão esquerda, vinha um bombeiro, que sorria e nos acenava com a mão livre. Em 25 segundos,........
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