Como a UE pode transformar os desafios em oportunidades: III
(os primeiros artigos desta série aqui e aqui)
O desenvolvimento tecnológico está no centro da capacidade de defesa de qualquer potência económica ou militar mundial. Como se afirmou no ensaio anterior, a corrida militar entre as grandes potências é hoje, mais do que nunca, a corrida no desenvolvimento tecnológico. Imagine-se o que teria acontecido na II Grande Guerra se a Alemanha tivesse produzido a primeira bomba atómica e não os EUA. Mesmo assim, aquela guerra baseou-se na produção de ferro e aço, a guerra fria nas armas atómicas, hoje a capacidade militar baseia-se nas tecnologias digitais e na produção de semicondutores.[1]
E este desenvolvimento tecnológico exige um grande esforço em I&D e inovação. Chris Miller afirma no seu já celebre livro Chip Wars, Scribner, 2023, “there is a symbiosis between military investment and cutting-edge technology, since innovative military applications often seed early-stage innovation.” Foi isso que a China e o Partido da República da China (PRC) descobriram, em particular com Xi Jinping, com a sua estratégia de defesa e de fronteira tecnológica em AI, quantum e outras áreas, com o programa China 2030.
O Quadro 4 mostra os gastos em I&D dos três grandes blocos e países. Em 2023 os EUA gastavam cerca de 883 mil milhões de Euros, correspondentes a 3,5% do PIB, seguido pela China com 435 mil milhões de Euros.[2] A União Europeia vem em terceiro lugar com 385 mil milhões, equivalentes a 2,24% do PIB.
Fonte: Eurostat
Em termos de setor de origem do financiamento, nos EUA o setor empresarial gastava cerca de 75% do total de I&D, enquanto na UE era de 66%. Nos EUA dominam as grandes tecnológicas digitais como a Amazon, Google, Apple e Meta, assim como as grandes farmacêuticas (Pfizer) e aeroespacial (Boeing, RTX, Lockheed). O setor do Estado gasta cerca de 20% com defesa, saúde (NHI), energia (DOE), e espaço (NASA). O setor das Universidades e Instituições de Investigação gastam cerca de 5% em investigação fundamental ou projetos colaborativos.
Na UE, o setor empresarial gasta cerca de 66% (253 mil milhões de Euros em 2023, segundo o Eurostat) com uma elevada proporção no setor automóvel (Alemanha). O setor do Estado gasta 22% (82 mil milhões de Euros), incluindo a nível nacional e comunitário, com ênfase nas transições climáticas e digital. O setor das Universidades com 11% (41 mil milhões de Euros) em investigação fundamental, mas com baixa produtividade.
Em termos dos Estados-membros, os 7 países com um gasto superior a 19 mil milhões de Euros, representam cerca de 80% dos gastos totais da UE. Só a Alemanha tem uma quota de 33,7% do total da UE. E a Alemanha, Áustria, Finlândia, Suécia e Bélgica gastam mais de 3% do PIB em I&D.[3]
Segundo o Politico de 12.19.2024, em comentário ao relatório Draghi, “Europe’s investment in R&D “is not just too little, but a substantial amount is flowing into the wrong areas. The dirty little secret of European R&D spending is that half of it comes from Germany. And most of that investment flows into one sector: automotive. While that might seem obvious given the sector’s size (the German auto industry’s annual revenue is nearly half a trillion euros), it’s not where you can get the most bang for your buck (or euro). That’s because innovations in the auto sector, such as improving an engine’s fuel efficiency, are incremental. In other words, the companies are literally reinventing the wheel, instead of whole new products, like an iPhone or Instagram, that would create a whole new market”. [4]
Não se deve iniciar nenhum processo de rearmamento sem haver uma visão clara do desenvolvimento tecnológico, e em especial como este determina as estratégias futuras de armamentos e indústrias de defesa.
As experiências nos teatros de guerra da Rússia-Ucrânia e no Médio Oriente Israel-Irão mostram a importância crescente dos veículos telecomandados, de baixo custo, facilmente replicáveis, como os drones. Bem assim como dos mísseis teleguiados.
O exemplo dos EUA mostra a importância da I&D com fins duais (civil e militar). A DARPA (Defense Advanced Research Projects Agency) possui uma longa história de I&D militar que se expandiu para o mundo civil com tecnologias transformadoras. Algumas das aplicações civis mais notáveis nascidas dos investimentos da DARPA incluem: (i) A Internet: Originalmente desenvolvida como ARPANET no final da década de 1960 para permitir uma comunicação robusta e descentralizada entre computadores militares, lançou as bases para a internet moderna; (ii) GPS: Embora inicialmente um sistema de navegação militar, o GPS tornou-se indispensável na vida civil — dos smartphones e dos automóveis à agricultura e à logística; (iii) Assistentes de Voz e Processamento de Linguagem Natural: O trabalho da DARPA em reconhecimento de fala e IA contribuiu para o desenvolvimento de tecnologias que impulsionam o Siri, o Alexa e outros sistemas baseados em voz; (iv) Veículos Autónomos: O........
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