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Entre a luz de Abraão e as trevas de Khomeini

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19.06.2025

O Governo de Sua Majestade foi assim confrontado com um conflito irreconciliável de princípios. Há na Palestina cerca de 1.200.000 árabes e 600.000 judeus. Para os judeus, o ponto essencial de princípio é a criação de um Estado judaico soberano. Para os árabes, o ponto essencial de princípio é resistir até ao fim à criação de uma soberania judaica em qualquer parte da Palestina.”

Foi nestes termos que Ernest Bevin, então Foreign Secretary, apresentou ao Parlamento britânico, a 18 de Fevereiro de 1947, a sua leitura do impasse na Palestina: “an irreconcilable conflict of principles”. De um lado, os judeus, determinados a fundar um Estado judaico numa parte da Palestina; do outro, os árabes, irredutíveis na recusa de qualquer soberania judaica, em qualquer parcela daquele território. Para Bevin (que, lembremos, era assumidamente anti-sionista, considerando mesmo a Declaração Balfour um desastroso documento de política externa), este impasse transcendia a esfera estritamente geográfica ou diplomática: o impasse era, na verdade, de natureza ontológica.

O “conflito irreconciliável de princípios” não traduzia um mero litígio sobre fronteiras, estatutos administrativos ou modelos de coabitação territorial. Em causa não estava uma negociação, por mais delicada, entre dois projectos nacionais concorrentes, ambos dotados de reivindicações de soberania intrinsecamente legítimas, mas circunstancialmente conflituantes. Em confronto, não estavam dois povos a disputar o mesmo espaço, a aspirar ao mesmo chão, mas dois princípios fundacionais mutuamente excludentes.

De um lado, o gesto de fundação e auto-determinação – a vontade de instituir um lar nacional judaico; do outro, a recusa implacável e intransigente de permitir que esse gesto tivesse lugar. O conflito não opunha aspirações simétricas (como sugeriria mais tarde a fórmula convencional da two-state solution), mas um impulso de afirmação e uma determinação de negação. Como no julgamento bíblico das duas mães reclamando o mesmo bebé perante Salomão, a verdadeira questão não residia na divisão do filho, mas na disposição de o deixar viver.

Dado que o mandato britânico não conferia autoridade para a imposição de uma solução e as negociações tinham falhado, o Governo de Sua Majestade decidiu remeter a questão à ONU, reconhecendo que os compromissos assumidos no âmbito do mandato eram, em última análise, irreconciliáveis. Desde então, tudo o que se seguiu – até aos nossos dias – não foi senão a manifestação prolongada desse conflito inaugural entre afirmação e negação, entre a determinação de existir e a determinação de impedir essa existência.

Em 1947, convém lembrar, o Estado de Israel ainda não existia: não havia “colonatos”, nem “ocupação”, nem “bloqueios”, nem “refugiados”, nem qualquer regime que pudesse ser descrito como “apartheid”. Nenhuma das condições hoje invocadas como causas do conflito existia........

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