A Constituição de um país que já não existe
Portugal vive hoje uma nova conjuntura política que torna possível, finalmente, a revisão da sua Constituição. Esta oportunidade histórica não deve ser desperdiçada. É esta a oportunidade de maturidade democrática para o país abandonar elementos ideológicos herdados da matriz socialista e estatista da década de 1970, que continuam inscritos na Lei Fundamental, e assumir plenamente a modernidade liberal-democrática.
A Constituição da República Portuguesa, apesar de conter garantias fundamentais compatíveis com as democracias modernas, conserva ainda traços ideológicos ultrapassados e estruturas jurídicas inspiradas em modelos coletivistas que não têm paralelo nas constituições das democracias liberais avançadas. Trata-se de um documento que, em partes significativas, já não reflete a vontade política maioritária da sociedade portuguesa contemporânea, nem os princípios do pluralismo democrático e da economia de mercado mista que definem o espaço europeu.
O cientista político Giovanni Sartori referia que uma constituição deve evitar funções programáticas ideológicas e preservar-se como instrumento jurídico de regulação institucional e de garantia da liberdade política. Se uma constituição se transforma “num programa de governo disfarçado de lei fundamental”, perde a sua função estabilizadora e deforma o princípio da separação entre a política e o direito.
A persistência de uma ideologia datada
O preâmbulo constitucional, frequentemente citado por analistas e juristas, menciona expressamente o objetivo de “abrir caminho para uma sociedade socialista”. Embora o preâmbulo tenha valor sobretudo simbólico, não deixa de ser problemático: a Constituição não é um hino ou uma bandeira — é um documento operativo e normativo. A sua carga ideológica influencia a interpretação dos direitos, das políticas públicas e da organização económica.
É igualmente revelador e até absurdo que, em pleno século XXI, se mantenham expressões como “abolição........
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