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A fábula do tombo de Davi

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Davi acordou com o despertador. Ele tinha hora para começar a implementar suas maldades. Costumava passar quase o dia todo nisso. Tinha dormido pesado, como sempre. A cabeça no travesseiro nunca lhe pesou. Dormia bem, ainda que pouco, eventualmente. Levantou-se, ainda sonolento, com a soberba de sempre, as más intenções renovadas, sempre multiplicadas. Movimentou lentamente o corpanzil até o chuveiro. Mal começara o processo de purificação superficial, uma limpeza que não passava os poros, escorregou. Foi um tombo feio, e Davi bateu a cabeça com força no chão, ao cair de costas. Não sangrou, não chegou a desmaiar. Ficou apenas como esquecido de si mesmo, de quem tinha sido até ali. A água quente transbordando o umbigo e escorrendo pelas enormes encostas adiposas abdominais. Barriga bem enxaguada, cabeça e coração sacudidos...

Inerte por alguns minutos, passou a ter pensamentos inéditos. Naquela condição, nem percebia totalmente as mudanças. Não esqueceu seu nome, o cargo que exercia, mas já não tinha acesso a uma parte de si que o dominara até então. Sim, já não era o mesmo, ainda que não fosse capaz de perceber a redenção, a evolução, a mágica transformação. Achou até graça de estar ali, esparramado sobre o mármore. Sorriu de leve e começou, lentamente, a se levantar. Se a cabeça doía, não pensava nisso. Se uma costela reclamava, pouco........

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